Relato de uma mãe.
Patinhos feios sobem nos grilhões do céu ou são autistas?
Escolhi, por causa do amor, ser mãe de um patinho feio que se transformou em cisne.
Dizia o mundo que meu patinho feio vivia num mundo de patologias complicadas e que nunca descia do seu céu para cumprir asas e bicar seu lago, pegar peixinhos e algas.
Esse meu patinho era diferente, por assim dizer. Asas encurvadas, bico vermelho e olhos distantes. Um olhar gratificante, às vezes, para mim sofridos a maior parte do tempo, lindo e meigo para o lago que lhe inspirava. Sua imagem refletia em si mesmo.
Não deixava de ser imponente, como a história do patinho feio que virou cisne numa realidade bem diferente.
Se o meu amor não fosse tão intenso e tenaz, eu diria que teria motivos para desânimo. Afinal, o nosso raciocínio ainda está fixado apenas em labutas do dia a dia e não consegue ler nas entrelinhas das ondas do lago.
E patinho não nada em grandes oceanos, em grandes mares, em grandes rios, em grandes lagoas, não fica perto de pororocas. Patinho que é patinho nada em pequeno lago, cobre-se de pequeno manto de água e contorna o “pound” em passos lentos do seu compasso estreito. De vez em quando alça pequeno voo entre arbustos das margens e fica por ali. Mas sempre sozinho, olhando a sua imagem refletida na imagem da sua água cristalina.
A minha preocupação com meu patinho não residia em doenças físicas ou genéticas, em seguir protocolos, padrões de condutas médicas, calendário de vacinas, lidar com famílias e suas dificuldades. Pato que é pato não são seres complicados fabricando seres a cada dia mais complicados. É apenas um pequeno ser que precisa de asas para voar e pés para remar.
Claro que o mundo está cheio de boas intenções e reparam em tudo. Claro que isso ainda vai desembocar em insolente e seletiva encrenca das boas – muitos belos patinhos na aparência tornam-se patinhos feios sem que o sejam.
Mas não como o meu cisne. O foco das minhas intenções era a educação e instrução em ensiná-lo a ir ao mais alto grilhão do céu, buscar a linda estrela e vivenciar a mais pura educação.
Uma educação focada quase que exclusivamente na instrução fundamentada – como pouca ou nenhuma preocupação em saber quem somos nós e o que fazemos aqui. Enfim, ter apenas o interesse em educar para a vida; querer transformar minha ninhada de patos em número de três, passando pela fase de marrecos e de gansos, em cisnes num passe de mágica. Mas com sacrifício de quem utilizou as asas.
Ambicionamos oferecer aos nossos filhos o que a vida nos negou. Nutri-los com disciplina, cuidados, atenção e amor. Daí, podemos criar fortes e poderosos seres; sem sofrimentos em valores e aquisições, pois, além de tudo foram patinhos feios que a vida ensinou ser cisnes.
Por quê? Para que? Não teria significado refletir que os episódios ocorrem por misteriosos desígnios, apenas, porque metade da tarefa é nossa. Afinal somos candidatos a sensíveis cisnes (que alguns avocam como seres angelicais, mães e pais experientes). A vida não é uma obra alquebrada, mas em direção, constituição e reconstrução.
E, assim, biografia afora, o meu pequeno e isolado patinho, que os outros patolenses estão aprendendo a amar com fervor, vai vida afora tranquilo e feliz. Olha para um lado e para outro, garboso, não entende a aflição da sociedade patolense que o rodeia e continua a aprender a nadar.
E eu? Sou capaz de imitar uma série de ações que ultrapassam as minhas próprias competências, mas somente dentro de limites da patolândia.
Patinho lá, patinho aqui, estou começando a aprender o que seja o autismo. É como o meu cisne se vê refletido em seu lago, querendo ir para os grilhões do céu. Basta acompanhá-lo e aprender com ele. Somente com ele.
FONTE:
Silvania Mendonça Almeida Margarida
Mãe do André Luís Rian
Autista